quarta-feira, 28 de janeiro de 2009

Uma aventura rumo ao Ártico: parte II

2.ª PARTE – DE BERGEN AO CABO NORTE

Reentrados na Suécia, país mais plano, prosseguimos “paralelos” à costa interior, até Haparanda cidade fronteira com Tórnio, já na Finlândia. Aqui, toda esta vasta área pertence já à Lapónia, região transnacional que domina uma terra de tundra e de renas. Depois de atravessarmos as grandes florestas da Suécia, eis-nos chegados a uma paisagem onde a vegetação vai diminuindo de volume e intensidade à mediada que caminhamos para norte. Terra dos “samis” ou lapões, um povo dividido por 4 países – Noruega, Suécia, Finlândia e a península de Kola, pertença da Federação Russa. Pisada a “linha” do Círculo Polar Ártico e “cumprimentada” a 1.ª rena, seguimos rumo à casa do Pai Natal.


De facto, é em Rovaniemi, a capital da Lapónia, que fica a “aldeia de Santa Claus” e o “Post Office” mais famoso do mundo. Lá chegam (e saem) milhares de cartas contendo os “sonhos” de milhares de crianças e, quiçá, de muitos adultos.
É uma aldeia de muita “fantasia” e, claro está, de muito comércio e turismo. A música de Natal embala-nos a qualquer altura do ano e o Pai Natal lá está, em pessoa, permanentemente, para a todos “encantar”. Foi um “prazer” poder sentar-me no seu cadeirão! Só não tinha “prendas” para dar…

Comprados alguns “souvenirs” inevitáveis e saboreada, pela primeira vez, uma carne de rena fumada, prosseguimos para lá do Círculo Polar Ártico. Daí em diante, sentimos estar já "noutro mundo"; a terra alagada aqui e ali, com a sua floresta rarefeita, as suas manadas de renas, saídas de não se sabe de onde e que nos acompanham mesmo na estrada, lado a lado com a autocaravana, sem se importunarem com a nossa presença. As nuvens de mosquitos, os lendários cogumelos vermelhos com pintas brancas das histórias infantis, etc., fazem da Lapónia um mundo diferente. Os frutos silvestres, os lapões com as suas vestes coloridas, etc., fazem-nos sentir muito distantes do nosso país natal.


Como “não há bela sem senão”, em grandes viagens sempre acontece algo que sobressalta e quebra a saudável “rotina” da viagem. Afinal nada que não se enquadre num espírito aventureiro: uma rena saída de um valado, ao “lusco fusco” do final de tarde de um dia cinzento, obriga a AC a uma brutal travagem. Por pouco não nos estampámos contra ela. Passado o susto, inicia-se um barulho esquisito que logo identificamos. Um dos pneus ficou com o piso liso numa secção e o tac tac tac repetitivo deu-nos conta que a rena, sem lhe batermos, fez o seu estrago.

Mais uns poucos quilómetros à frente e o pneu rebentava. Ao sairmos para mudar o pneu pelo suplente, uma autêntica nuvem de mosquitos aterrava literalmente sobre nós. Aí percebemos porque havíamos visto grupos de pessoas a apanhar bagas no campo, todos cobertos com redes na cabeça! Depois de uma luta desigual, prosseguimos a viagem.

A Lapónia caracteriza-se por longas distâncias sem “vivalma”. É uma região de fraca densidade populacional. A primeira localidade que encontramos a caminho do norte, depois de Rovaniemi, tem uma estação de serviço. Vários pneus… mas nenhum adequado à autocaravana. Ou voltávamos a Rovaniemi, cerca de 100 km para sul (e nós íamos para norte), ou encomendávamos um para, na melhor das hipóteses, chegar no dia seguinte.
Acertada esta opção, ficámos por ali numa paragem forçada. No dia seguinte o nosso novo pneu “Nokia” chegava no autocarro de transporte de passageiros que, uma vez por dia, fazia aquele trajecto.

Seguimos então a viagem para o Cabo Norte, reentrando na Noruega. Uma vez mais a paisagem deixou-nos extasiados. Ora o recorte da costa, com baías de águas calmas onde “passeavam” gansos selvagens e outras aves migratórias, ora a estrada seguia pela crista elevada de vales verdes, como se viajássemos no “fio de navalha”. Aqui e ali, as manadas de renas surpreendiam pela indiferença que tinham pela nossa presença. Ali o território é delas. Nós é que somos os “invasores”.



Apanhado o “ferry” para Honningsväg, localidade portuária no sul da Ilha de Magerøya, onde fica o promontório de Nordkapp, situado a 307 metros de altura sobre o mar de Barents, continuamos a estrada E-69, que vinda da parte continental (e agora já por túnel sub-aquático), vai subindo até ao mítico lugar onde fomos encontrar centenas de autocaravanistas, muitos deles companheiros de viagem no barco. A imagem de conjunto fazia-nos lembrar um carreiro de formigas a serpentear em campo aberto.



Alguns quilómetros depois, “aportámos” ao grande espaço que é, basicamente, um morro imenso, inundado por autocaravanas. Paga a “portagem” de ingresso e pernoita por 24 horas, podemos desfrutar de uma inesquecível sensação de liberdade e de distância. Naquele longínquo lugar percebemos, uma vez mais, o pequeno grão que somos à escala global, mas ainda assim, o enorme prazer que isso nos dá.




Apesar da presença do sol no horizonte, cuja luminosidade se iria fazer sentir durante toda a “noite”, já que estamos na terra do Sol da Meia Noite, o frio era “cortante”. Bem agasalhados, visitamos o North Cape Hall onde num ecrã de 180º nos é passado um documentário sobre a vida no Cabo Norte, em Terra, Mar e Ar e no decorrer das estações do ano ártico. Das auroras boreais ao sol da meia noite, do Inverno ao Verão, das vistas aéreas ao fundo do mar, tudo ali é retratado de forma aliciante.

Entretanto, o relógio aproximava-se da meia noite e todo o mundo, “habitante” de centenas de autocaravanas ali presentes correu para o varandim do promontório, fixando o olhar no horizonte, onde o sol tocava o oceano sem “mergulhar” completamente. Parecia ter parado no tempo e, passada uma hora já ele se erguia, novamente, acima da linha de água, para nos dificultar uma noite de repouso, onde a escuridão ajuda a um sono bem merecido. Calafetadas todas as frestas das janelas da AC, lá dormimos o “sono dos justos”.




Acordámos já com o sol bem alto e fomos à “gift-shop” adquirir as inevitáveis lembranças deste feito. Afixado o autocolante comemorativo da “praxe”, tal como o havíamos feito, na Lapónia com a rena, iniciámos o caminho do regresso. Embora muito houvesse, ainda, para ver, assaltou-nos, logo ali, a nostalgia e a vontade de um dia poder regressar.



(CONTINUA)

Laucorreia

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