sexta-feira, 23 de janeiro de 2009

E o cenário romântico ali tão perto…

O texto seguinte da autoria da nossa companheira Paula Vidigal é um exemplo claro de que o autocaravanismo como forma de turismo itinerante não tem mesmo nada a ver com o campismo. Agradecemos à Paula não só a prestável colaboração mas sobretudo o interessante testemunho do que é Ser e Sentir-se Autocaravanista, desta vez viajando de Lisboa às românticas colinas de Sintra.
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Um fim-de-semana frio, chuvoso, de neve até. Mas não foi isso que nos impediu de dar um giro.
À semelhança de outras etapas, a 1ª noite seria dormida em Lisboa. Não já no sítio do costume, mas uns metros antes, perto do Museu da Electricidade. Só porque reparámos que era por aí que parava a malta e no outro local não havia vivalma. Quer isto dizer que se confirmam os rumores de que ao lado do Padrão já não é possível?! Ficámos sem saber, porque não chegámos a ir lá.
Lisboa é sempre espaço e tempo para fazer rotas históricas, culturais, ou comerciais. Para além da praia, das caminhadas, do andar de eléctrico, metro, comboio…
Desta vez foi a vez do cinema.



Ensaio sobre a cegueira, baseado na obra de José Saramago, que é em tudo muito mais que o filme: mais palavras num estilo inconfundível (o de Saramago) que ali nem se vislumbra; mais romance (o filme toca ao de leve a história de amores da prostituta e do velho negro); mais violência; mais sofrimento; mais dor… mas normalmente entre o filme e o livro, prefere-se sempre o livro, por isso não é nada de novo.
Mas ainda assim a brancura do leite da cegueira, os ângulos e planos de Fernando Meireles são únicos. O filme é para ver, sim senhor. E gosta-se.
A música da chuva no tecto da Casinha dá-lhe aquele tom de balada mesmo boa para embalar e… adormecer.
Acordar e ter como pequeno-almoço uns pastéis de Belém também é outra espécie de balada… gustativa.
Se não fossemos preguiçosos, poderíamos ter visitado o Palácio da Pena pela manhã de domingo, o que implicava visita grátis. Assim, da parte da tarde, armados em indolentes e dormentes, há que puxar os cordões à bolsa e pagar 20€ (bilhete familiar).
Com o frio nada como subir o íngreme caminho até ao Palácio. Debaixo dos polares e das lãs, a humidade sua e aquece.
Chegados ao topo do portentoso edifício, até nos esquecemos que faz frio e não está sol, porque os cortes e recortes, formas e cores são um apelo à fotografia. Pena que a Pena não esteja mais brilhante de cores. Umas limpas e renovadas demãos não seriam pedir de mais. D. Fernando II agradeceria.




Que rei foi este que no alto do monte espesso e denso de vegetação se lembrou de erguer tão insólita construção?
De nome Fernando Augusto Francisco António de Saxe-Coburgo-Gota, passou à história como "O Rei-Artista".
Não terá sido ele o artista de tão sublime castelo, mas a sua mente artista maravilhou-se do topo escarpado, das ruínas (por essa altura o que existia era um velho convento), do Castelo dos Mouros, das matas.





Em pleno romantismo o espaço não podia ser mais romântico e daí que, o Rei-Artista, casado com a Rainha D- Maria II, o mandasse edificar, como sua residência de Verão. Um paço acastelado romântico, verdadeiramente eclético, no qual se encerra um autêntico manual de estilos arquitectónicos: neogótico, neomanuelino, neo-islâmico, neorenascentista, com outras sugestões artísticas como a indiana.
Era a moda do exótico, do insólito, da paixão pelo “horror ao vazio”, ou seja, o Romantismo.
Visitar as suas salas e decoração até dói. Cada canto e recanto conhece mais uma cadeira, um otomano (sofá oriundo dos otomanos), mesa, cadeira, arca, cofre, e em cada mesa mais bricabraque, mais madeira, mais almofada, mais madrepérola. A vista sai dali cansada. Olha-se através da vidraça e a profusão continua, até a vegetação ocupa tudo sem deixar um espaço vazio. Novamente ideias do monarca que até na vegetação pensou, encomendando-a de outros países e até continentes.



(Tritão simbolizando a alegoria da Criação do Mundo.)

Do palácio até à praia, basta seguir a linha do eléctrico. Mas na praia (das Maçãs) estava um vento ciclónico, pouco simpático para embalar o sono…
Optámos por Sintra.
Pernoita num relaxe profundo (coordenadas: N38.79688º W009.38849º)




A Câmara de Sintra podia pensar em arranjar aquele parque de estacionamento com algumas facilidades para AC: bastava um ponto de água e sítio para despejos. Mas se calhar não vão achar boa ideia, porque ao que parece vão construir ao lado um novo museu. Por outro lado, se Sintra tem mais museus por metro quadrado do que qualquer outra vila ou eventualmente cidade portuguesa, talvez acolhesse bem a ideia. A avaliar pela procura (mais 3 AC estavam por lá e duas eram estrangeiras), talvez fosse mesmo uma boa ideia. Afinal Sintra é uma pepita e pérola turística.



O mau tempo agudizou-se, o que não favoreceu muitas mais saídas.
Ao cair da noite (ainda por cima tão cedo…), por que não actualizar leituras?
O mais recente de Anne Perry, por exemplo: O cadáver de Bluegate Fields.


Na capital londrina de finais de séc. XIX, um novo crime emerge. Apesar da passagem dos séculos, um tema eterno e tão actual: um jovem de boas famílias assassinado, abusado homossexualmente. A primeira suspeita recai no preceptor, mas conhecendo a faceta crítica da autora, suspeito que a balança vai pender para um outro culpado, no seio da aristocracia britânica.
A veia crítica de Anne Perry retrata sempre a hipocrisia da dita “society”, regida por uma ética absolutamente fingida e falsa, cujo verniz salta ao longo da narrativa, para vermos os lords e as ladies, a serem os maus da fita.
«Anne Perry tem duas forças: personagens memoráveis e uma capacidade única de evocar com uma enorme minúcia a sociedade victoriana.»
The Wall Street Journal
«Anne Perry consegue escrever policiais vitorianos de fazer inveja até a Charles Dickens.»
The New York Times Book Review



Sintra ainda assim com alguma luz...




No regresso, paragem em Setúbal para uns chocos fritos acompanhados com batatas fritas. Um outro modo de terminar os passeios sem sol: apurando o paladar com a boa gastronomia portuguesa.

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